Sonares biológicos: o mundo sensorial dos animais com a ecolocalização

Muitos animais tem habilidades incríveis, mas quando o assunto são sonares, esses aqui dão um show.


Imagem de H. Hach por Pixabay 


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Durante a Segunda Guerra Mundial, foi utilizado pela primeira vez um aparelho decisivo nas batalhas navais: o sonar. Seu nome deriva da expressão Sound Navigation and Ranging, que significa navegação e localização através do som. O sonar localiza objetos (navios, submarinos) emitindo sons impossíveis de serem captados pelo ouvido humano. Medindo o tempo que se passa entre a emissão do som e a recepção do seu eco, o sonar pode determinar a distância exata e a forma aproximada do objeto. Esse mesmo princípio de funcionamento existe na natureza, em animais como o mor-cego, o golfinho e outros.


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O som do morcego


A descoberta de que o morcego se orienta avaliando os ecos do som que emite ocorreu na Itália, no fim do século XVIII. Seu descobridor foi o biólogo Lazzaro Spallanzani. Mas os estudos que explicaram melhor como funciona esse mecanismo só ocorreram no século XX. Em 1938, o biólogo Donald Griffin denominou de "ecolocalização" esse sistema de sonar biológico.


O som se espalha através da vibração do ar, dos líquidos e dos sólidos. O ouvido humano é capaz de perceber sons que estejam situados entre 30 e 16 000 vibrações ou ciclos por segundo. O morcego Myotis lucifugus, por exemplo, emite ondas de 100 000 ciclos por segundo, muito acima, portanto, da audição humana.


É graças a esse sistema que o morcego (mamífero da ordem dos quirópteros) pode "ver", em escuridão total, o tamanho e a forma de um objeto e descobrir sua posição exata. Além disso, ele é capaz de diferenciar uma fonte de alimento de um obstáculo, atacando um e desviando-se do outro.


O ultra-som é produzido na laringe do morcego, onde existem duas membranas muito delgadas esticadas por fortes músculos. O ar passa dos pulmões para a laringe e faz vibrar essas membranas com extrema rapidez, produzindo sons de alta freqüência. Esses sons não são contínuos. O morcego interrompe a emissão para poder escutar o seu eco. O ritmo das emissões depende da necessidade de informações: quanto mais de-talhes o morcego quiser a respeito do que está à sua volta, maior será a freqüência com que emite os sinais sonoros.


A 50.000 ciclos por segundo, as ondas ultra-sônicas permitem ao morcego captar a "imagem" de um mosquito ou de um pequeno galho, a pouca distância. Para se orientar em distâncias maiores, o morcego lança sinais mais longos e de grande "intensidade para garantir o retorno do eco.


Cada espécie de morcego apresenta variações de forma, relacionadas com o funcionamento de seu sistema de ecolocalização. Uma das diferenças mais notáveis se encontra na orelha, que varia de acordo com a potência de emissão. As orelhas e o ouvido do morcego são especialmente desenvolvi-dos, podendo escutar ecos 100 bilhões de vezes mais fracos do que os sons originalmente emitidos.


Além das enormes orelhas, comuns a vá-rias espécies de morcegos, alguns apresentam ainda uma membrana alongada, colo-cada diante do ouvido. Essa membrana chama-se trago e serve para selecionar deter-minados sons. Os morcegos que não possuem o trago apresentam um apêndice nasal para focalizar a emissão do ultra-som. A ecolocalização dos morcegos provavelmente não é usada em seus longos vôos migratórios, durante os quais não encontram objetos capazes de refletir os sons emitidos. Praticamente cegos, estes animais não pode-riam tampouco orientar-se pela visão. A migração dos morcegos permanece um fenômeno ainda não explicado.


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Os sons submarinos


Observando o comportamento dos golfinhos, o americano McBride constatou, em 1947, a facilidade com que esse mamífero aquático evitava as malhas da rede de captura, mesmo em águas escuras e agitadas. Formulou a hipótese, logo confirmada, da existência de um mecanismo de ecolocalização também entre os golfinhos. Experiências recentes, contudo, não -apenas confirmam esse fato, mas indicam que o sonar biológico do golfinho é superior ao desenvolvido pelo homem. O golfinho, mesmo de olhos vendados, consegue distinguir diferenças em tamanho de objetos de até 6 milímetros, que o sonar eletrônico não percebe.


Há fortes indícios de que os golfinhos se comunicam entre si por ultra-sons produzidos pela passagem de ar do pulmão à sua única narina, situada no topo da cabeça. Os sinais são geralmente emitidos sem a expulsão do ar: os golfinhos não possuem cordas vocais. Sua laringe atravessa o esôfago curvando-se para cima, em direção aos condutos nasais. Esses apresentam duas cartilagens que formam uma espécie de lingueta, fechada por um músculo circular que ele pode contrair ou estender à vontade, fazendo-o funcionar corno válvula. Apesar de pouco conhecida a origem dos sinais emitidos pelos golfinhos, acredita-se que esse sistema, associado a vários sacos de ar e estruturas ósseas próximos às cavidades nasais sejam responsáveis pelas emissões ultra-sônicas. A boca, como órgão gerador de ruído, está excluí-da, visto que o golfinho pode orientar-se com a boca fechada. Os sons são emitidos numa freqüência de 170 000 ciclos por segundo. Ocorrem em emissões curtas, que parecem diques, ou em assobios às vezes audíveis pelo homem. Os diques servem para localizar objetos, enquanto os assobios são usados na comunicação com outros golfinhos.


Foto de Jeremy Bishop: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-de-pod-of-dolphins-2422915/


A audição, entre os golfinhos, não ocorre pelas vias normais. A orelha externa é completamente atrofiada e a recepção dos ecos se faz através do maxilar inferior, que conduz os sons até as regiões auditivas do cérebro. As características neurológicas deste complexo sistema ainda são pouco conhecidas. Estudos sobre o sistema de comunicação dos golfinhos ainda estão sendo desenvolvidos. A rapidez e precisão com que esses animais aprendem continua intrigando os pesquisadores.


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O sonar em outros animais


Atualmente está provado que outras espécies de animais são dotadas do mesmo sistema, com maior ou menor grau de complexidade e eficácia. Certas aves orientais, semelhantes às andorinhas, voam por grutas e desfiladeiros escuros usando um sistema de ecolocalização.


O guácharo (Steatornis caripensis, veja na imagem abaixo) é uma ave que vive nas cavernas de Trinidad, uma das ilhas da América Central, bem como em alguns pontos da América do Sul. Também se orienta, ainda que só parcialmente, pelo mesmo sistema. À noite, após encontrar, com sua aguda visão, os frutos de que se alimenta, este pássaro começa a emitir estalidos e voa pelas escuras cavernas onde habita, orientando-se apenas por meio de seus ecos.


Fonte da imagem: Wikipedia/The Lilac Breasted Roller, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons


Algumas mariposas possuem um "ouvi-do" ultra-sônico no centro do corpo. São capazes de perceber os sons de 10 000 a 100 000 ciclos por segundo. Essa é a faixa de freqüência em que o morcego, que se ali-menta dessa mariposa, emite seus ultra-sons. A mariposa recebe a emissão do morcego a 30 metros de distância, o que lhe permite procurar evitá-lo em sua caçada noturna. Outras espécies de mariposas possuem um sistema mais complexo: produzem, elas próprias, emissões ultra-sônicas que provocam interferências nas emissões dos morcegos, desorientados. Leia nessa outra postagem sobre a visão noturna das mariposas, neste link abaixo:


https://www.bioorbis.org/2015/07/retardando-o-cerebro-para-melhorar-visao.html


É provável que os pinípedes (animais marinhos como a foca e o elefante-doa-mar) possuam também sistemas de sonares. O leão-marinho das costas da Califórnia, segundo as experiências realizadas, deve possuir um sistema de ecolocalização que não usa sistematicamente, mas apenas nos momentos em que a visão lhe falta.


Entre os animais terrestres, existem certos mamíferos insetívoros dotados de sonar, como os musaranhos.


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Ecolocalização e tecnologia


A perfeição dos sonares biológicos fascina os cientistas e técnicos porque, entre outras coisas, esse sistema natural assemelha-se muito aos sonares tecnológicos. A atrofia das orelhas dos golfinhos, por exemplo, protege seu mecanismo de ecolocalização das emissões de forte intensidade. Essa proteção tem seu equivalente no radar. A classificação de sons em sinais significativos, que merecem atenção, e meros ruídos, que podem ser notados, é realizada tanto pelos sonares  biológicos como tecnológicos.


A possível aplicação tecnológica dos sonares e outros fenômenos biológicos determinou o surgimento de um novo ramo de estudo, a biônica, que analisa, entre outras coisas, os diversos sistemas de ecolocalização. Esta ciência conta com a colaboração de engenheiros, biólogos e teóricos da informação: seu estudo abrange desde os órgãos emissores de sinais até os sistemas psicofisiológicos que interpretam os sinais recebi-dos. Além disso, deve examinar as particularidades dos sinais que cada espécie animal emite. As pesquisas mais desenvolvidas são aquelas que têm por objeto os órgãos emis-sores e receptores. Contudo, novos e rápidos progressos são aguardados em outros estudos.


As aquisições da biônica além de revelar segredos dos sanares biológicos para possíveis aperfeiçoamentos técnicos, possibilitam o treinamento de animais para os mais variados fins. Já se usam golfinhos para guiar mergulhadores e levar-lhes ferramentas de trabalho. Estuda-se também o seu emprego na localização de cardumes em alto-mar ou na, proteção de viveiros marinhos contra tubarões. Contudo, há maiores avanços no uso do golfinho para tarefas militares, sobre-tudo nos Estados Unidos, onde se desenvolve um Programa de Mamíferos Marinhos. O sonar torna o golfinho urna excelente sentinela na.defesa dos portos. Além disso, ele pode depositar explosivos junto a navios inimigos e localizar minas. Em 1974, revelou-se que os EUA haviam descoberto o tipo de combustível dos submarinos atômicos soviéticos graças a um golfinho, que se aproximou de um deles com um detetor especial. E a marinha norte-americana tem golfinhos ensinados que cumprem missões de patrulha com pequenos aparelhos de microondas co-locados no cérebro.

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